terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Impressões sobre Livros: Fotografia e Antropologia


A fotografia, de tão ampla, abrange diversas possibilidades de utilização e uma delas é a antropologia. Desde o início de sua aparição, a fotografia causou um grande impacto não só pela, vamos dizer, magia, a capacidade de captar o exterior em pouquíssimo tempo e com uma fidelidade impressionante, e por isso, usada como prova de existência, mas também por suas capacidades artísticas já que é possível encontrar traços do seu autor, o fotógrafo, ou seja, de sua subjetividade. De outro lado está a antropologia que exige um processo metodológico de pesquisa para acontecer um trabalho claro, coerente e, sobretudo, crível. E para a realização deste trabalho, uma das ferramentas é a fotografia. Segundo Rosane de Andrade, em seu livro Fotografia e Antropologia, olhares fora-dentro, a fotografia para os antropólogos é ao mesmo tempo um instrumento precioso e suspeito no que refere ao rigor como documento. “A imagem vive essa dicotomia entre o fantástico e o real. 
Nesse sentido, pode-se afirmar que a imagem nunca poderá dizer algo do mundo, que ela não tem a objetividade necessária para compor um discurso cientifico”. É até engraçado isso, pois sempre houve uma briga para descolar da fotografia a imagem de apenas documento e autenticar o seu valor expressivo. Neste livro, a autora informa que de fato existe certo cuidado da parte dos antropólogos em usá-la e, ao longo do livro, ela vai confirmando a subjetividade da fotografia, todavia, demonstra também que a subjetividade do antropólogo permeia o trabalho que gera, mesmo com todo o rigor técnico: “Antropologia aplicada não é apenas um meio de ver e registrar é um modo de participar e perceber o outro.” Assim, este livro acaba tornando-se um grande elogio a expressividade e subjetividade que a fotografia carrega.
 Logo no texto de entrada, por meio do poema O Fotógrafo, Manoel de Barros dá o tom do que será a leitura: o invisível sendo fotografado. A partir daí a autora vai se apoiando em diversos autores, fotógrafos, psicanalistas e filósofos para mostrar a capacidade de captação do real, mas com uma possibilidade de reinvenção deste real através do olhar daquele que fotografa conforme as suas escolhas e recortes. Exemplifica com Verger o processo etnológico e fotográfico deste que se tornou Fatumbi, o renascido de Ifá, tal era o seu envolvimento com o que pesquisava.
Segue falando sobre o que é ver as coisas do mundo (“Para Mircea Eliade, a visão do homem acerca da realidade está ligada à descoberta do sagrado, de certa forma desqualificando o significado dos objetos e das coisas comuns. A consciência do mundo real e significativo só é constituída pela sacralização das coisas”), o que é olhar para dentro e que todas essas questões devem passar pelas mãos do pesquisador e do fotógrafo. E finaliza ao dizer, “Entender se a fotografia é um documento da realidade é discutir sobre a sua própria existência, sua história e sua magia. Não foi o objetivo deste livro enfocar o ‘real ou não real’ na imagem fixada pela fotografia no âmbito da antropologia, mas a maneira do sujeito observar essa realidade, fotografando-a.” E continua, “O antropólogo precisa conhecer a arte de fotografar, a arte de lidar com o seu corpo e a arte de lidar com as emoções. Precisa olhar-se, olhares fora-dentro, dentro-fora.”
Adorei esse trabalho que conjuga tantos autores num trabalho curto (132 páginas), porém totalmente suficiente e eficiente. Além de um belíssimo trabalho que denota o amor por ambas as linhas, fotografia e antropologia.

#ficadica.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Impressões sobre Cinema: Pai e Filho

A Poética Delicada de Sokúrov
Pai e Filho
Título Original: Otets i syn (Rússia 2003)
Diretor: Aleksandr Sokúrov
Elenco: Andrei Shchetinin, Aleksei Nejmyshev, Aleksandr Razbash, Fyodor Lavrov
*dados retirados de http://loja.russica.com.br/filmes/tema-russia/dvd-pai-e-filho-de-alekander-sokurov-russo-frete-gratis.html

A relação parental próxima entre pai e filho é o tema abordado pelo filme Pai e Filho de Aleksandr Sokúrov, cineasta russo da atualidade e descoberto por Tarkovski.  É o segundo filme da trilogia sobre relações familiares do diretor, o primeiro foi Mãe e Filho. Seu filme mais conhecido, Arca Russa, com uma maravilhosa atmosfera onírica, ficou conhecido por não haver corte de cenas, foi filmado em plano único, contínuo. De forma extremamente poética, o filme Pai e Filho retrata uma relação de grande proximidade amorosa, física e erótica entre um filho de 20 anos e um pai de 37 anos. 

O filme utiliza tons de sépia e quase sempre luzes laterais basicamente vindas através de janelas e com sombras claramente marcadas, todavia, com suavidade. Há poucos diálogos e uma grande ênfase nos elementos visuais criando quase um processo telepático de entendimento entre pai e filho. O vínculo é tão forte que a namorada do rapaz (Aleksei) percebe que não pode competir com o amor paternal e, assim, o trai. A relação do casal se dá entre uma janela ou uma sacada que os separam. Assim, nunca há uma aproximação física entre eles, ao contrário da relação entre Aleksei e seu pai, que continuamente se tocam. Aos poucos, pai e filho, se revezam no ciúme e no seu oposto, a necessidade de liberdade. “O amor de pai crucifixa e o filho que ama deixa-se crucificar.” Essa parece ser a frase central que dirige todo o enredo e é pronunciada pelo filho em conversa com o pai. E é reforçada pelo comentário do amigo de Aleksei que perdeu o pai em combate: “Sim, você tem um pai. Mas nem sequer te invejo”.

Assim, tanto o pai quanto o filho vão em busca de se libertar da dependência psicológica criada pelo tipo de vínculo familiar. Todo o filme é revestido por imagens belíssimas interiores e exteriores, as luzes das janelas, das ruas e vistas da cidade (Lisboa, aliás). As personagens olham em diversos momentos diretamente para câmera criando uma intimidade entre o espectador e a narrativa. Dessa forma, muitos olhares, proximidades físicas, e silêncios tornam o filme uma obra prima da poética cinematográfica. Além da delicadeza em tons difusos que carrega uma sensação continua do onírico ao longo da trama contido na cena inicial em que Aleksei sonha.

Bem, adoro Sokúrov, é um grande poeta da sétima arte...

#ficadica